A calçada, a rua e a mobilidade urbana.
Durante quase um século, a calçada, a rua e a mobilidade urbana tem sido constantemente atacada por perspectivas distintas e atribuídas a todas às funções urbanas. Suas funções tem se modificado ao longo do tempo dentro das cidades atuais. As expectativas de contato humano diário oferecido pela rua, pelas calcadas e pelos diferentes tipos de transportes, transformam tudo na possibilidade de intercâmbio social e cultural pelas pessoas que fazem uso dos espaços ou dos equipamentos existentes no meio.
As variações sobre as formas que se descrevem as providências de mobilidade urbana, diretamente ligada ao transito, seja por pedestre, por veículos automotores ou não, tem se multiplicado e continuará se multiplicando, embora sigam crescendo o volume de tráfego e suas complicações legais. Tanto a tecnologia da construção quanto a dos transportes contribuem para transformar os conceitos fiscais e legais relacionados com a rua. Ficando para trás nossa concepção de rua como veículo essencial de comunicação, algo intencionalmente criado para esse propósito e que juntamente com a calçada sigam servindo a tal fim.
A rua, como tal sugere sua etimologia, denota uma superfície limitada, parte de uma estrutura urbana, caracterizada por uma área extensa com edifícios de cada lado, mas a forma como ela se inclui na experiência humana sugere que se refira a ideias e pautas de condutas mais arcaicas que a construção urbana. Poderíamos inclusive enumerar muitas relações que expliquem o intercâmbio da vida social cotidiana que se desenvolve no espaço público.
O declínio dos equipamentos urbanos e logradouros somente são compreendidos no contexto das configurações tecnológicas e sociopolíticas mutantes de nossa sociedade. Um exame dos aspectos e de seus papéis ao longo da história sugere que os mesmos sempre tem sido a expressão tangível da estrutura de relações da cultura em que aparece. Podendo este meio intimidar ou manter feliz as relações.
Assim arquitetura e o urbanismo lança mão deste mecanismo de comunicação e o utiliza para dar informação a todos os grupos ou tribos sobre o estado das relações interpessoais e para por em funcionamento os sistemas de leis a qual se mantem a ordem.
Segundo Zevi (2000) a verdadeira redenção do século XIX realiza-se nos espaços exteriores, isto é na urbanística. Os fenômenos que se seguem à Revolução Industrial, e principalmente o urbanismo e do advento dos novos meios de locomoção, o século XIX defronta-se com os problemas do espaço urbano, irrompe para além dos muros antigos, cria novos bairros periféricos, formula os temas sociais e urbanísticos no sentido moderno da palavra, e constrói-se a cidade-jardim. A grandeza dessa contribuição é tão decisiva que se tivéssemos tentado esboçar esse “saber ver a urbanística” de que o publico tem extrema necessidade, este desprezado século XIX contra o qual se encarniçam historiadores e críticos, formaria talvez o maior capítulo na história das sucessivas épocas dos espaços exteriores.
O século XIX tentou refrear o desastre urbanístico, esclareceu os problemas e propôs as primeiras soluções para a cidade moderna.
Segundo Stantdord a abundante trama de atividades e significados associados a rua, a calçada e a mobilidade urbana acentua a dificuldade, mas também o potencial de um exame sócio físico dos mesmos. Pois estes elementos são parte integral da malha urbana da cidade, do movimento e da comunicação dos usuários. Já que estes são lugares onde iniciam ou desdobram muitos de nossos conflitos e resoluções entre o campo do público e do privado. Constituindo a arena em que se apagam os limites entre conduta convencional e conduta aberrante. Isto porque, atualmente não dispomos de meios para tratar de forma integral de um fenômeno tão complexo.
Stantdord nos mostra que o meio ambiente físico é um fator importante para a relação entre as pessoas. Pois os hábitos e culturas são paralelos importantes para a questão urbana. Constituindo o marco das transformações espaciais e temporais dos seres humanos. Onde muitas vezes são fortemente influenciados por forças seletivas. distributivas e acomodativas do meio. Podendo resultar ou não no imperioso problema da segurança pessoal nos ambientes urbanos, favorecendo o surgimento de espaços excluídos dentro das cidades.
Consequentemente, o entrono físico passa a estabelecer alguns limites, geralmente amplos, em seus usos e significados. Estes por sua vez podem anular-se mediante a fatores políticos, sociais, culturais, entre outros.
Maquiavel, em O Príncipe, explica que todos os estados, todos os domínios que ocorreram sobre os homens foram ou são por meio da republica (fatores democráticos) ou por principados (Domínio concentrado na mão de um ou de poucos). Isto influencia o meio físico, fazendo parâmetro com a ultima citação descrita referente a Stantdord.
Em análise mais filosófica do meio, Platão nos seus diálogos, ensina que a compreensão dos fenômenos que ocorrem no mundo físico dependerá sempre de uma hipótese para avaliação do meio onde se inserem os seres.
Merleau-Ponty, em Fenomenologia da Percepção, nos propõe que o ser humano ao se deparar com algo que se apresenta diante de sua consciência, primeiro nota e percebe objetos em total harmonia com a sua forma, a partir de sua consciência perceptiva. Após perceber o objeto/elementos, este entra em sua consciência e passa a ser um fenômeno. Com a intenção de percebê-lo, o ser humano intui algo sobre ele, imagina-o em toda sua plenitude, e será capaz de descrever o que ele realmente é. Dessa forma, o conhecimento do fenómeno é gerado em torno do próprio fenómeno. A partir desta teoria, o meio urbano juntamente com a arquitetura cria o relacionamento entre espaços livres de uso coletivo e público, dos espaços de permanência ou reunião, e dos espaços de movimentos que são as circulações.
Por excelência, o espaço urbano é o local dos confrontos de interesse, do processo histórico de definição dos direitos do indivíduo e da coletividade, permanentemente registrado na arquitetura da cidade.
Na Primeira Parte da Doutrina Transcendental dos Elementos, Kant, explica que o espaço não é um conceito empírico abstraídos de experiências externas. Pois a representação do espaço já tem de estar subjacentes para certas sensações se referirem algo fora de mim (isto é, a algo no lugar do espaço diverso daquele em que me encontro), e igualmente para eu poder representa-las como fora de mim e uma ao lado da outra e por conseguinte não simplesmente como diferentes. Logo, a representação do espaço não pode ser tomada emprestada, mediante a experiência, das relações do fenômeno externo, mas esta própria experiência externa é primeiramente possível só mediante referida representação. O espaço nada mais é do que uma instituição pura e representado como uma magnitude infinita dada pelas possibilidades do meio físico em que nos inserimos cotidianamente.
Em qualquer contexto dado, existe um sistema social com suas gamas de valores e normas sociais que define porções do meio físico relevante para a vida das pessoas nele compreendidas e estruturado as formas em que a população empregará este meio ambiente em sua vida cotidiana. Logo a calcada, a rua e a mobilidade urbana, possuem o encargo particular, cobrir em certa escala, a necessidade de ser o lugar comum de todos os lugares, garantindo o ir e vir e o acesso de pessoas. Esta escala de funcionamento é tradicionalmente ligada pela escala da rua constituindo o domínio único do artifício de comunicação dominado pelo passeio público
Se considerarmos brevemente as funções de movimento, do deslocar-se, podemos observar que a dependência de um modo de comunicação mecânico, como carro, amplia em grande maneira a gama das funções do meio urbano e pode gerar incompatibilidades ambientais se participar do mesmo canal com formas de movimento e acesso a pequena escala, como é o movimento de pessoas, sem rota constante no centro da cidade.
Não se deve avaliar a rua a caçada e o transporte como mera especulação estatística, especificação de materiais que os compões ou técnicas construtivas aplicadas para solucionar problemas relacionados a eles, mas sim verificar dados, desenvolver conceitos, avaliar questões sociais e culturais que possam auxiliar e promover uma melhor campanha de integração sócio econômica dentro do contexto urbanístico teórico e pratico. Visto que ao longo do tempo, estes equipamentos urbanos não vêm recebendo a atenção devida por parte de quem utiliza ou administra.
Daniel Alfaia - Arquiteto e Professor.
Consulte sempre um arquiteto :
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